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Entre as várias maneiras de ensinar os filhos a lidarem com dinheiro, a mesada continua sendo a mais famosa e tradicional. É uma solução encontrada pelos pais para não precisar dar pequenas quantias diariamente e também um método de educação financeira.
Conseguir encontrar um meio termo, no entanto, que ajude a criança a construir uma percepção melhor sobre o dinheiro – para poupar e lá na frente investir – sempre foi um grande desafio para os pais. Há aquele receio de criar filhos consumistas demais ou ainda, o extremo oposto, que “têm medo de gastar”.
Para descobrir algumas formas de aproveitar a mesada de maneira educativa, Época NEGÓCIOS conversou com especialistas em educação infantil e financeira. Abaixo, confira algumas dicas:
Estabeleça a finalidade da mesada
O primeiro passo é entender se dar dinheiro toda semana ou todo mês ao filho é realmente necessário. Os especialistas concordam que vincular a mesada a notas escolares, realização de tarefas domésticas ou, simplesmente, a nenhuma razão específica, é um erro. “Mesada não é um prêmio, não é para pagar lanche da escola. É um dinheiro que vai ser estabelecido para alguns gastos que o filho possa realizar com mais liberdade”, afirma Fabio Gallo, professor de finanças das faculdades PUC e Getulio Vargas (SP).
Há casos, por exemplo, em que o filho não pede dinheiro com tanta frequência e a quantia que recebe no dia a dia cumpre seus desejos. Há ainda aqueles que realizam atividades em que mal gastam. O educador financeiro Reinaldo Domingos aconselha a conversar francamente com os filhos e diagnosticar quanto cada um deles gasta por semana/mês. É assim que os pais poderão averiguar a necessidade de dar a mesada e qual o valor ideal. “É tudo uma questão de diálogo com a criança. O problema é que nos dias atuais as pessoas deixam isso de lado. Parece que não temos tempo para falar com nossos filhos”, afirma.
Com as finalidades da mesada estabelecidas, os pais precisam se programar para cumprir o combinado. “No fundo, é muito chato dar mesada, porque tem que se lembrar do dia da semana ou do mês específico e trocar o dinheiro em quantias miúdas”, diz Cássia D’Aquino, especialista em educação financeira e autora do livro Como Falar de Dinheiro com Seu Filho.
Qual é a dose e frequência certa
Não há uma “idade correta” para iniciar o processo. Os especialistas sugerem começar após os 7 anos, quando a criança já tem maior discernimento e está em processo de alfabetização. Dessa idade até os 11 anos, Cássia defende o pagamento da “semanada”. Para ela, o período mais curto entre um pagamento e outro ensina a criança a se organizar com o tempo. “Se ela gasta tudo na quarta-feira, pode compreender facilmente que ficará sem dinheiro o resto da semana. Quando receber de novo, entenderá que não pode gastar tudo de uma vez. Se trabalharmos no período mensal, ela nem vai mais lembrar dos erros”. De modo geral, a partir dos 11 anos, explica Cássia, a criança já começa a desenvolver as “bases do pensamento abstrato”, o que lhe garante lidar melhor com a questão tempo-dinheiro.
Já definir a quantia certa para dar – de modo que o filho não fique sem dinheiro ou consumista ao extremo – pode ser calculada segundo as necessidades da criança ou adolescente e do orçamento da família. Listar prioridades, ter bom senso e dar dinheiro suficiente para o filho realizar “os pequenos desejos do dia a dia” são indicações dos especialistas. “Já conheci crianças de 8 anos que recebiam R$ 300 por semana. Isso é uma fortuna. Mesmo porque elas acabam perdendo o dinheiro, gastando em qualquer coisa”, afirma Cássia.
O professor Fabio Gallo defende que outra dica importante é analisar o “círculo de amizades da criança”, que “acaba influenciando nos desejos de consumo”. “Eu costumo dizer que a criança não deve ser nem o milionário nem o mendigo da turma. Tem que dar uma quantia condizente com os hábitos e círculos dele”. É uma medida, explica Gallo, que depende dos objetivos prévios de educação. “Têm famílias em que o objetivo é dar a melhor escola para os filhos. O problema é que nem sempre a escola mais cara é a melhor para eles”.
Acompanhe (não monitore) os gastos
Estabelecida a mesada, é preciso acompanhar para diagnosticar se a quantia dada foi acertada. “Crie uma relação de diálogo e veja se a criança está conseguindo cumprir suas prioridades. Se algo der errado mexa no valor – para mais ou para menos”, avalia Reinaldo. “Os pais precisam estar comprometidos e saber que se trata de um instrumento pegadógico e não simplesmente doar e virar as costas”, diz Cássia.
A mesada é doação – e não uma remuneração
Os especialistas brasileiros mostram-se totalmente contra a ideia de vincular a mesada a outras atividades: como tarefas domésticas e notas escolares. Esta é, aliás, uma ideia que ganha força nos Estados Unidos. Neste ano, o guru de finanças americano Dave Ramsey, em parceria com sua filha, Rachel Cruze, vendeu milhares de exemplares do livro Smart Money, Smart Kids, ao defender que os filhos só aprendem a lidar com suas finanças se entenderem, desde cedo, que “dinheiro vem do trabalho”. Eles defendem claramente a ideia de que a remuneração de tarefas domésticas é um dos caminhos para ensinar essa máxima. “Quando as crianças tem que fazer algo para ganhar o dinheiro, elas gastam e poupam de outra maneira”, afirmou Rachel em entrevista à Época NEGÓCIOS.
O assunto gera polêmica. “Filhos têm que compreender que pertencem a uma pequena comunidade e que nela possuem obrigações para o bem estar da família. Se até isso for remunerado, é como se os pais estivessem dizendo: tudo nessa vida é uma questão de dinheiro”, afirma Cássia. Além disso, a situação, para os especialistas, criaria uma relação de dependência, como se os filhos só fizessem algo se recebessem por isso.
No entanto, há uma exceção defendida. Incentivar o filho a realizar trabalhos na vizinhança e aqueles em que a família acabaria pagando um profissional para executar é uma atitude bem-vinda. “O modelo americano nesse ponto é bem mais esperto que o nosso. Se os filhos precisam de dinheiro, eles vão complementar cortando a grana do vizinho, passeando com o cachorro, etc”, afirma Gallo.
Cortar a mesada devido a notas baixas também é algo criticado. “Uma criança bem atendida do ponto de vista pegadógico, afetivo e alimentar têm todas as condições de ir bem na escola. Se não está indo, a causa precisa ser investigada. Agora, cortar a mesada só cria uma nova fonte de tensão”, diz Cássia.
Ensinando a poupar
Não é só uma questão de apresentar aos filhos o cofrinho ou abrir uma poupança para eles. Os especialistas afirmam que o melhor jeito de incentivá-los a poupar é mostrar, desde cedo, que é possível realizar sonhos a curto prazo. “Ajude o filho pequeno a sonhar com algo mais caro que a mesada pode pagar, mostrando que é uma questão de aguardar. Quando ele realizar o primeiro desejo, vai começar a entender que dinheiro guardado realiza vontades”, diz Domingos.
À medida que a criança vai crescendo, esse prazos serão aumentados e ela renovará os objetivos. “Não é para uma criança de seis anos ir guardando dinheiro para comprar o carro aos 18. Eu já vi isso”, afirma Cássia.
Segundo Gallo, a mesada pode ser um eficaz instrumento para ensinar desde cedo que é preciso criar objetivos para se gastar o dinheiro. ”Converse sobre o orçamento da família e mostre o que foi conquistado com a poupança. Também aponte as limitações financeiras e diga que todos nós somos limitados por nossos ganhos e gastos”. Outra dica é conversar com o filho no dia a dia, entre uma ida ao supermercado ou um passeio no parque. “Quando surgir uma oportunidade de gasto, abra um diálogo. Comente o porquê de comprar determinado sorvete. Se na padaria o troco veio errado, dê o exemplo. A criança percebe cada detalhe disso e verá que ganhar dinheiro exige esforço e guardar sempre trará mais segurança”, afirma.
Um dos maiores erros nesse processo de incentivar o filho desde cedo a sempre guardar é alcançar o oposto. Muitas crianças crescem com “medo de gastar”, sentindo-se desconfortáveis para consumir. “Mostre a seu filho que ele tem algumas opções para usar o dinheiro: consumir o que deseja, investir, doar, guardar. A primeira pergunta que sempre é preciso fazer é: você precisa disso ou você quer isso?”, diz Gallo.
Para investir no futuro
O processo que desemboca na vontade de investir no futuro é construído aos poucos, explica Cássia. “A gente só aprende a poupar para investir se aprendeu muito tempo antes a poupar para a figurinha, para o brinquedo. É preciso criar a percepção de que é possível estabelecer objetivos para o meu dinheiro”.
Fonte: http://www.edufin.com.br/